Busco no escuro do meu sótão um sinal de vida, mas só encontro solidão. Vejo as sombras dos monstros que povoam meu imaginário dando voltas a me aterrorizar. Sou atacada por um deles que invade a minha mente e desossa meu corpo. Separa em partes bem pequenas aquilo que restou do que foi de mim, do que era eu.
Ele, coberto de pêlos marrons grossos e imundos, se prepara para sentar-se naquele chão de madeira velha e empoeirada. Ao fazê-lo, sobe aquela nuvem de poeira que se transforma em condimento para meus restos. Mas não antes que o piso emita aquele característico ranger que ecoava por meus ouvidos.
Eu vejo mas não tenho olhos. Escuto mas não tenho ouvidos. Sinto mas vejo meu coração lançado ao chão. Não tenho forma, não tenho cor, nem cheiro e nem odor. Mas estou presente. Me faço existir quando nada sou.
Vejo o meu sangue, tão puro e tão nobre, escorrer por aqueles longos fiapos que cobrem aquele ser. Vejo-o rasgar mais a minha carne com os seus dentes pequenos e afiados, que cerrados, evitam desperdiçar um milímetro de pele sequer. Fui aprisionada para além daquele sótão. Foi dentro da minha mente. Que antes de pertencer somente a mim recebia influências do que quer que fosse.
Me tornei um emaranhado de pedaços, com um dono cruel. Que não se conteve em me ter inteiriça, mas precisou abusar do seu poder e provar para si mesmo o quão cruel é. Se ateve à árdua tarefa de me destruir.
Na ocasião, aproveitou do meu medo e do meu susto, rasgou minhas roupas, riscou meu corpo quase como um mapa, certo de que assim saberia dividir igualmente as partes. Naquele momento, a minha respiração era o único indício de vida remanescente naquele templo que era eu.
Ao passar sua faca dilaceradamente em mim, a força se esvaiu. E juntamente com meu sangue, se escorreu e foi embora.
Eu deveria ter resistido, eu deveria ter lutado. Mas não consegui.